sexta-feira, 15 de abril de 2011

sobre o Festival de Cannes 2011


Les jambes des femmes sont des compas qui arpentent le globe terrestre en tout sens, lui donnant son
équilibre et son harmonie (As pernas das mulheres são compassos que vagueiam pelo mundo em todas as direções, trazendo equilíbrio e harmonia). O fotógrafo Jerry Schatzberg já conhecia estas palavras do cineasta François Truffaut quando fez este belíssimo retrato da atriz Faye Dunaway, que foi escolhido para ser o cartaz da 64ª edição do Festival de Cannes.

Um dos mais famosos do mundo, o evento cinematográfico francês acontece de 11 a 22 de maio de 2011. Robert De Niro, homenageado por sua carreira no Globo de Ouro 2011, foi escolhido para ser presidente do júri de longas-metragens, assim como o cineasta francês Michel Gondry presidirá o júri da mostra Cinéfondation e de curtas-metragens. O sérvio Emir Kusturica, diretor do documentário sobre o Maradona, será presidente do júri do Un Certain Regard, enquanto o cineasta Bong Joon-Ho cuidará dos prêmios da Camera D'Or. Abaixo, veja os filmes que foram selecionados para o Festival de Cannes de 2011:

COMPETIÇÃO


Filme de abertura: MIDNIGHT IN PARIS – Woody Allen

LA PIEL QUE HABITO – Pedro Almodóvar
L'APOLLONIDE - SOUVENIRS DE LA MAISON CLOSE – Bertrand Bonello
PATER – Alain Cavalier
HEARAT SHULAYIM (FOOTNOTE) – Joseph Cedar
BIR ZAMANLAR ANADOLU'DA (ONCE UPON A TIME IN ANATOLIA) – Nuri Bilge Ceylan
LE GAMIN AU VÉLO – Jean-Pierre e Luc Dardenne
LE HAVRE – Aki Kaurismäki
HANEZU NO TSUKI – Naomi Kawase
SLEEPING BEAUTY – Julia Leigh
POLISSE – Maïwenn
THE TREE OF LIFE – Terrence Malick
LA SOURCE DES FEMMES – Radu Mihaileanu
ICHIMEI (HARA-KIRI: DEATH OF A SAMURAI) – Takashi Miike
HABEMUS PAPAM – Nanni Moretti
WE NEED TO TALK ABOUT KEVIN – Lynne Ramsay
MICHAEL – Markus Schleinzer
THIS MUST BE THE PLACE – Paolo Sorrentino
MELANCHOLIA – Lars Von Trier
DRIVE – Nicolas Winding Refn

UN CERTAIN REGARD

Filme de abertura: RESTLESS – Gus Van Sant

THE HUNTER – Bakur Bakuradze
HALT AUF FREIER STRECKE – Andreas Dresen
HORS SATAN – Bruno Dumont
MARTHA MARCY MAY MARLENE – Sean Durkin
LES NEIGES DU KILIMANDJARO – Robert Guédiguian
SKOONHEID – Oliver Hermanus
THE DAY HE ARRIVES – Hong Sangsoo
BONSÁI – Cristián Jiménez
TATSUMI – Eric Khoo
ARIRANG – Kim Ki-duk
ET MAINTENANT ON VA OÚ? - Nadine Labaki
LOVERBOY – Catalin Mitulescu
YELLOW SEA – Na Hong-jin
MISS BALA – Gerardo Naranjo
TRABALHAR CANSA – Juliana Rojas e Marco Dutra
L'EXERCICE DE L'ETAT – Pierre Schoeller
TOOMELAH – Ivan Sen
OSLO, AUGUST 31ST – Joachim Trier

FORA DE COMPETIÇÃO

LA CONQUÊTE – Xavier Durringer
THE BEAVER (LE COMPLEXE DU CASTOR) – Jodie Foster
THE ARTIST – Michel Hazanavicius
PIRATES OF THE CARIBBEAN: ON STRANGER TIDES – Rob Marshall

SESSÕES DA MEIA-NOITE

WU XIA – Chan Peter Ho-Sun
DIAS DE GRACIA – Everardo Gout

SESSÕES ESPECIAIS

LABRADOR – Frederikke Aspöck
LE MAÎTRE DES FORGES DE L'ENFER – Rithy Panh
MICHEL PETRUCCIANI – Michael Radford
TOUS AU LARZAC – Christian Rouaud

CINÉFONDATION


CAGEY TIGERS – Aramisova (República Tcheca)
SUU ET UCHIKAWA – Nathanael Carton (Cingapura)
A VIAGEM – Simão Cayatte (Estados Unidos)
BEFETACH BEITY – Anat Costi (Israel)
THE AGONY AND SWEAT OF THE HUMAN SPIRIT – D. Jesse Damazo e Joe Bookman (Estados Unidos)
BENTO MONOGATARI – Pieter Dirkx (Bélgica)
DER BRIEF – Doroteya Droumeva (Alemanha)
DUELO ANTES DA NOITE – Alice Furtado (Brasil)
DRARI – Kamal Lazraq (França)
SALSIPUEDES – Mariano Luque (Argentina)
LA FIESTA DE CASAMIENTO – Gastón Margolin e Martín Morgenfeld (Argentina)
L'ESTATE CHE NON VIENE – Pasquale Marino (Itália)
BIG MUDDY – Jefferson Moneo (Estados Unidos)
AL MARTHA LAUF – Ma'ayan Rypp (Israel)
YA-GAN-BI-HANG – Son Tae-gyum (Coreia do Sul)
DER WECHSELBALG – Maria Steinmetz (Alemanha)

terça-feira, 12 de abril de 2011

morre Sidney Lumet (1924 - 2011)

Eric Kohn, crítico de cinema da revista indieWIRE, escreveu um texto intitulado Apesar de seus grandes esforços, Sidney Lumet foi um brilhante estilista, em homenagem ao cineasta norte-americano, falecido neste sábado (9). Abaixo, reproduzo uma tradução livre do artigo:


Superficialmente, Sidney Lumet não era um cineasta pessoal, mas ele fez filmes intensamente pessoais. Todo mundo tem seus momentos favoritos: o notável drama 12 Homens e Uma Sentença (1957), a fúria de enfrentar um sistema judicial corrupto em Serpico (1973), e a natureza incerta de um cenário de refém em Um Dia de Cão (1975), mantêm um papel central nos bancos de memória da cultura pop americana. Essas ferozes e apaixonantes obras contêm afiadas posturas moralistas implantadas com atemporalidade e resistentes a categorização. No dia de sua morte, aos 86 anos, Lumet não deixou uma marca, deixou várias.

Começando com 12 Homens e Uma Sentença, Lumet fez filmes durante cinco décadas diretas. Em vez de desenvolver lentamente a sua abordagem, ele a reinventou a cada vez. Com a mudança dos tempos e novos cineastas desafiando continuamente as convenções narrativas, a carreira de Lumet manteve-se estável. Sua experiência em teatro e televisão transformou-o em um artesão dedicado e educado em múltiplas formas de dramaturgia, produzindo uma capacidade para descobrir o centro emocional de toda a história que entrou em seu domínio.

Ao contrário de Frank Capra, John Ford e outros cineastas contemporâneos, como Steven Spielberg, nenhuma única qualidade pode descrever toda a gama de criações de Lumet. Apreciar plenamente a sua produção requer uma abordagem microscópica que analisa as diferenças entre cada um de seus filmes. Em geral, ele evitou fazer comédias, mas o humor penetrou na maior parte do seu trabalho. Ele nunca se envolveu com o horror, mas muitas vezes dissecou os aspectos mais assustadores da condição humana. As exigências da história transcenderam as fronteiras do gênero, mas ele se sobressaiu com a narrativa tradicional. Acima de tudo isso, ele queria criar um bom espetáculo.

Qualquer coisa pode acontecer em um filme de Sidney Lumet. Apesar da borda satírica de Rede de Intrigas (1976) que arrancou o desdém prematuro de muitas plateias, mas ganhou um Oscar pela breve atuação de Beatrice Straight, cuja cena de cinco minutos mostra um retrato devastador da frustração conjugal. As cenas iniciais e tensas de Um Dia de Cão logo se tornam cômicas quando o ladrão de banco, vivido por Al Pacino, inultimente luta para desfazer o embrulho de papel e revelar sua arma. O Homem do Prego (1964) lida, ao mesmo tempo, com o trauma pós-Holocausto e com os temas do racismo e do descontentamento urbano. Muitos consideram Lumet a quintessência do diretor novaiorquino, embora sua representação da cidade variasse de projeto para projeto.


Como a carreira de Lumet é anterior à era dos diretores que também se tornaram estrelas, como Martin Scorsese e, mais tarde, Quentin Tarantino, ele nunca teve uma “abordagem de jornaleiro”. Cada filme fala em termos específicos, por isso ele fugiu das perguntas sobre quaisquer afirmações definitivas do seu trabalho. Em 2007, numa entrevista em vídeo com Lumet, recentemente publicada pelo The New York Times, ele emite uma resposta sublime quando perguntado sobre como gostaria de ser lembrado após sua morte. "Eu não dou a mínima", disse ele, uma fala coerente com seu discurso em 2005, quando recebeu um Oscar pelo conjunto da obra: "Eu gostaria de agradecer aos filmes", afirmou. Não era sobre o homem por trás da câmera, mas sim sobre as decisões que ele fez e funcionaram no produto final. No caso de Lumet, muitas vezes funcionaram.

"Bom estilo, para mim, é estilo nunca visto", Lumet escreveu em seu essencial livro Fazendo Filmes (1995), um detalhado guia sobre filmagem e também um livro de suas memórias sobre o showbiz. Audaciosamente “antiautor”, Lumet era uma contradição ambulante, obstinadamente oposto a deixar uma marca em seu trabalho, mas, ainda assim, criando alguns dos momentos mais sensacionais do cinema americano.

Considere a chorosa repartição ao final de 12 Homens e Uma Sentença, o momento enervante “mão-na-espiga” em O Homem de Prego, ou a tomada de grua de revirar o estômago, que desce em direção a Paul Newman assim que o júri anuncia a sua decisão em O Veredicto (1982). Além de truques de câmera, Lumet tinha intensas convicções éticas, o que explica porque Serpico e O Príncipe da Cidade (1981) fazem dramas policiais tão convincentes e atraentes. Isto também explica a doentia fuga de uma família em O Peso de Um Passado (1988), sua última obra-prima. No subvalorizado Bye Bye Braverman (1968), a experiência do pós-guerra judaico-americana, que se manifesta em um trio de fatigados "baby boomers", vem à tona em momentos acentuadamente naturalistas. Esses filmes estão vivos com a complexidade do comportamento humano, um resultado da fluência de Lumet na forma de um filme. Lumet foi, em suma, um estilista contra seus melhores esforços.


Em seus últimos anos, Lumet fez poucos grandes filmes, mas, enquanto se tornava uma figura do passado, ele manteve uma compreensão clara sobre o futuro. Seu papel na arte e no negócio do cinema soou muito mais moderno do que o de muitos diretores jovens. Ele foi um cara que atuou no teatro iídiche durante a Grande Depressão e dirigiu televisão ao vivo na década de 50, ainda assim poderia facilmente ganhar o mérito da gravação de vídeo digital em vez do filme, e passou a última página de seu livro comparando as bilheterias de Batman - O Retorno (1992) e Minha Vida de Cachorro (1985).

Há apenas quatro anos, Lumet conseguiu um extraordinário retorno aos indicados do Oscar, com a aventura criminosa Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007), que chegou aos cinemas no ano em que 12 Homens e Uma Sentença comemorou o seu 50º aniversário. Ambos os filmes tratam o sistema de justiça em tons de cinza provocantes, provando que o diretor não perdeu seu toque. Assim que o Antes que o Diabo começou sua campanha para o Oscar, Lumet assinou um contrato de três filmes que, infelizmente, nunca chegaram a ser concretizados. Mesmo em seus anos de crepúsculo, ele ainda estava firme e forte. Seu legado não mostrou sinais de desistência.

sobre a mostra Cinema Brasileiro: anos 2000, 10 questões

A mostra Cinema Brasileiro: anos 2000, 10 questões traz para os CCBBs do Rio de Janeiro e de São Paulo mais de 60 filmes brasileiros realizados entre 2001 e 2010. Haverá também debate com 40 críticos, professores e pesquisadores sobre algumas das principais tendências e linhas de força observadas neste período da cinematografia nacional.

A mostra acontece em SP entre 13/4 e 1/5; e no RJ entre 26/4 e 8/5.

Patrocinada pelo Banco do Brasil, e com o apoio do Ministério da Cultura, a mostra é organizada pela Revista Cinética, e tem curadoria de Cléber Eduardo, Eduardo Valente e João Luiz Vieira, e produção da Enquadramento Produções, através de Leonardo Mecchi.

No site, você encontra a programação, sinopse de filmes, e tem acesso ao catálogo completo em PDF, além de uma lista de todos os longas feitos no Brasil no período.

http://www.revistacinetica.com.br/anos2000/

sexta-feira, 8 de abril de 2011

sobre o filme A Rede Social (2010), de David Fincher

A Rede Social não merece toda essa fama que leva. Para quem tem no currículo filmes como Seven – Os Sete Crimes Capitais (1995), Clube da Luta (1999) e Zodíaco (2007), David Fincher deixa a desejar nesta história intrigante do bilionário mais jovem do mundo, Mark Zuckerberg, que ganha dinheiro com uma das redes sociais mais populares da internet. Apesar de ter “criado” o Facebook, Zuckerberg não tem vida social. Introspectivo, nerd, gênio em programação de computadores e muito tímido, ele demonstra nervosismo e muitas gotas de suor ao conversar, por exemplo, com a repórter do programa 60 Minutes, da CBS News. Escolhido para interpretá-lo, o ator Jesse Eisenberg também é um tanto quanto esquisito e sempre monossilábico em suas entrevistas.


Talvez pela tentativa de ser fiel ao livro Bilionários por Acaso – A criação do Facebook, de Ben Mezrich, Fincher tenha falhado e criado uma história meio sem sal. O filme possui dois focos principais: os acontecimentos que levaram Zuckerberg a criar o Facebook e as consequências de seus atos. É um filme de tribunal, mas sem o tédio. Nesse sentido, Fincher consegue levar bem o filme, ao intercalar o andamento dos processos e usar momentos e diálogos reais do julgamento.

A Rede Social começa quando Zuckerberg leva um fora de sua namorada super entediada e cria um odiozinho por todas as meninas do âmbito universitário. Assim, ele invade o banco de dados das instituições para selecionar fotos das garotas e inventa o site Facemash, onde elas são comparadas em critérios machistas de beleza. Em uma única noite, o site tem 22 mil acessos – para mostrar como os estudantes têm muita vida social – e derruba a rede da universidade.

Ao saber do fato, os gêmeos playboys Winklevoss (o ator Armie Hammer foi digitalmente duplicado) e o estudante Divya Narendra propõem a criação da HarvardConnection, uma rede social exclusiva para compartilhar fotos e vídeos entre os amigos. Zuckerberg logo topa a parceria e, ao mesmo tempo, faz uma sociedade com seu melhor e único amigo Eduardo Saverin (Andrew Garfield), que vai investir em uma nova ideia sua: o thefacebook. E a trama vai se desenrolar em cima desse “mau caráter” de Zuckerberg, que renderá dois processos multimilionários por omitir os créditos da invenção. Mas o que são esses processos para um bilionário?


Já sem ter grandes amigos, Zuckerberg ganhará uma má influência em sua vida: Sean Parker (Justin Timberlake), criador do site Napster, que derrubou a indústria musical em 2000. Parker é um cara viciado em drogas e totalmente ambicioso. Ele que vai sugerir a mudança de nome para somente Facebook, vai colocar na cabeça de Zuckerberg que ele pode fazer bilhões de dólares com o site e vai excluir o Saverin do negócio.

A Rede Social é um filme sobre incoerências e pode se resumir em uma frase dita pelo próprio protagonista: “se vocês tivessem criado o Facebook, vocês teriam criado o Facebook”. Isto é, mesmo que os Winklevoss tenham tido a ideia original, quem colocou a mão na massa é o Zuckerberg. Não importa se ele fez alguns inimigos no percurso, pois ele continua sendo um gênio da tecnologia, que representa uma geração gananciosa de jovens do século 21. “Amigos, amigos. Negócios à parte”. Talvez o filme funcionasse melhor se fosse um documentário. Veríamos realmente quem são esses estudantes de Harvard, aspirantes a Bill Gates e suas personalidades mesquinhas. Talvez.

Com previsão de estreia para fevereiro de 2012, o próximo projeto de David Fincher é The Girl with the Dragon Tattoo, versão hollywoodiana de Os Homens que não Amavam as Mulheres, baseado na série Millenium, do sueco Stieg Larsson, sobre violência sexual contra mulheres. Com trilha sonora de Trent Reznor, seguindo a mesma parceria de A Rede Social, o filme também conta com Daniel Craig e Rooney Mara (que vive a ex-namorada de Zuckerberg) no elenco. Veremos se, com essa próxima produção, Fincher voltará ao seu estilo original de dirigir filmes como Seven, Clube da Luta e Zodíaco.

Assista ao trailer:

quarta-feira, 6 de abril de 2011

artigo para O Globo

Reproduzo um texto que escrevi para o caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo. Publicado no dia 12 de março de 2011, o artigo se refere a uma geração que trabalha com a crítica de cinema ao mesmo tempo em que tenta emplacar filmes no circuito brasileiro. Este tema também é o do livro-reportagem que escrevi para concluir o curso de Jornalismo da PUC-SP. Clique aqui para ler o livro.

Os críticos-cineastas e o novo cinema brasileiro, por Letícia Mendes

No início da primeira década do século 21, saindo de um panorama dominado por Walter Salles e Fernando Meirelles e no qual a crítica dos grandes jornais estava voltada à prestação de serviços, surge uma geração de jovens cinéfilos cariocas que assumiria um duplo papel de reflexão e produção cinematográfica no Brasil. Esses críticos-cineastas criaram referências fundamentais na crítica do audiovisual brasileiro e renovaram a maneira de fazer filmes no país, vinculando o pensamento à imagem do cinema.

Em 1998, nasce a revista eletrônica Contracampo, tendo como editores o jornalista Ruy Gardnier e Eduardo Valente, estudante de cinema da UFF. A publicação surgia de uma insatisfação com a crítica feita à época na universidade e na grande mídia, cada uma à sua maneira em descompasso com as questões consideradas mais urgentes por essa nova geração. Desavenças fizeram com que parte da equipe se retirasse da revista para fundar em 2006 a Cinética.

Os nomes reunidos em torno das duas publicações dariam início a uma produção cinematográfica logo acolhida e reconhecida em festivais internacionais. A premiação em Cannes de Um Sol Alaranjado, de Valente, em 2002 pode servir de marco dessa nova filmografia, construída por autores que se aproximavam no perfil — a formação crítica e universitária — e na busca por um outro modelo de produção e criação, com baixos orçamentos e trabalho cooperativo. Um grupo formado pelo próprio Valente, Felipe Bragança, Cléber Eduardo, Daniel Caetano e muitos outros, cujos filmes travam um diálogo pouco visto no Brasil com o que há de mais instigante na produção internacional contemporânea e são eles mesmos espaço de reflexão sobre o cinema.

Em sua primeira ida a Cannes, Valente - que também exibiria lá Castanho (2003) e O Monstro (2005) -, se deparou com mais aspirantes a cineastas vindos de lugares muito diferentes, que estavam vivendo o mesmo momento, com o primeiro ou segundo filme, saindo da universidade, sem saber se realmente seriam diretores de cinema. Em 2009, lançou seu primeiro longa-metragem, No Meu Lugar, com roteiro de Felipe Bragança. Apesar de ter filmes prestigiados, hoje Valente se considera mais crítico do que cineasta.

Já Bragança se diz primeiramente um cineasta, apesar de ser convidado por muitos diretores, como o cearense Karim Aïnouz (O Céu de Suely), para escrever roteiros. Felipe foi redator da Contracampo e participou do projeto da Cinética. Também dirigiu três curtas (Por dentro de uma gota d'água, 2003; O Nome Dele (o clóvis), 2004; e Jonas e a Baleia, 2006) e está em fase de divulgação de sua trilogia intitulada Coração no Fogo, sobre a representação da juventude brasileira atual, cujos filmes são A Fuga da Mulher Gorila, vencedor da mostra Aurora em Tiradentes em 2009, A Alegria e Desassossego.

Por meio de um convite de Valente, o jornalista Cléber Eduardo começou a escrever para a Contracampo ao mesmo tempo em que seguia sua carreira como crítico de cinema de grandes revistas. Porém, enveredou-se para a direção de filmes por conta da influência de sua mulher, a cineasta Ilana Feldman, com quem dirigiu os curtas Almas Passantes – um percurso com João do Rio e Charles Baudelaire (2008) e Rosa e Benjamin (2009). Atualmente, Cléber é curador da Mostra de Tiradentes, dá aulas em universidades paulistas e trabalha em projetos de filmes, inclusive ao lado de seus alunos. Também amigo de Valente, o cineasta Daniel Caetano escreveu para as duas revistas virtuais e organizou os livros Cinema Brasileiro 1995-2005 (2005) e Serras da Desordem (2008). Há anos batalha para realizar seus filmes, mas,enquanto os editais não concretizam esse desejo, trabalha como crítico e professor. Em 2007, Daniel lançou seu primeiro longa-metragem co-dirigido durante a faculdade, Conceição – autor bom é autor morto, lançado somente agora em DVD. No momento, ele está filmando seu novo curta com o título de O velho e o novo.

Assim, surge do ramo da crítica de cinema uma nova geração de cineastas teóricos. Dessa turma de jovens críticos nasceram grandes diretores que renovam a maneira de fazer filmes no Brasil vinculando o pensamento à imagem do cinema. Muitas dessas produções são feitas com baixo orçamento ou talvez com nenhum investimento, entretanto ganham cada vez mais destaque internacional. Alguns críticos das revistas virtuais Contracampo e Cinética refletem sobre quase toda a produção mundial e também colocam suas ideias em prática. Os críticos-cineastas reutilizam a palavra na imagem, com abordagens inusitadas e densas. Os nomes citados acima fazem parte do contexto atual do cinema brasileiro. Todos eles estavam presentes na 14ª Mostra de Tiradentes, realizada entre 21 e 29 de janeiro deste ano, seja na curadoria, lançando filmes ou na mediação de debates.

Todos viraram críticos-cineastas por acaso. Ninguém nasceu sabendo que trabalharia com isso, apesar de a cinefilia sempre ter corrido pelas veias. Todos também estão com o futuro aberto. Não têm certeza se vão dirigir filmes ou fazer críticas para o resto da vida. O trabalho que eles propõem é fascinante, além de expandir a noção do que é a crítica de cinema: escrever, realizar mostras e festivais, fazer filmes, ser curador, dar aulas. De certa forma, tornou-se um modo de agir dentro desse meio, com critérios e metas que visam questões estéticas e críticas. Ainda é raro encontrar cineastas brasileiros que tenham sua formação na cinefilia. Estes críticos-cineastas servem de modelo para as futuras gerações, como também já tiveram o exemplo em outros pioneiros da história do cinema brasileiro.

LETÍCIA MENDES é jornalista, autora de "Críticos-Cineastas – perfis da geração Contracampo e Cinética" (inédito)