terça-feira, 12 de abril de 2011

morre Sidney Lumet (1924 - 2011)

Eric Kohn, crítico de cinema da revista indieWIRE, escreveu um texto intitulado Apesar de seus grandes esforços, Sidney Lumet foi um brilhante estilista, em homenagem ao cineasta norte-americano, falecido neste sábado (9). Abaixo, reproduzo uma tradução livre do artigo:


Superficialmente, Sidney Lumet não era um cineasta pessoal, mas ele fez filmes intensamente pessoais. Todo mundo tem seus momentos favoritos: o notável drama 12 Homens e Uma Sentença (1957), a fúria de enfrentar um sistema judicial corrupto em Serpico (1973), e a natureza incerta de um cenário de refém em Um Dia de Cão (1975), mantêm um papel central nos bancos de memória da cultura pop americana. Essas ferozes e apaixonantes obras contêm afiadas posturas moralistas implantadas com atemporalidade e resistentes a categorização. No dia de sua morte, aos 86 anos, Lumet não deixou uma marca, deixou várias.

Começando com 12 Homens e Uma Sentença, Lumet fez filmes durante cinco décadas diretas. Em vez de desenvolver lentamente a sua abordagem, ele a reinventou a cada vez. Com a mudança dos tempos e novos cineastas desafiando continuamente as convenções narrativas, a carreira de Lumet manteve-se estável. Sua experiência em teatro e televisão transformou-o em um artesão dedicado e educado em múltiplas formas de dramaturgia, produzindo uma capacidade para descobrir o centro emocional de toda a história que entrou em seu domínio.

Ao contrário de Frank Capra, John Ford e outros cineastas contemporâneos, como Steven Spielberg, nenhuma única qualidade pode descrever toda a gama de criações de Lumet. Apreciar plenamente a sua produção requer uma abordagem microscópica que analisa as diferenças entre cada um de seus filmes. Em geral, ele evitou fazer comédias, mas o humor penetrou na maior parte do seu trabalho. Ele nunca se envolveu com o horror, mas muitas vezes dissecou os aspectos mais assustadores da condição humana. As exigências da história transcenderam as fronteiras do gênero, mas ele se sobressaiu com a narrativa tradicional. Acima de tudo isso, ele queria criar um bom espetáculo.

Qualquer coisa pode acontecer em um filme de Sidney Lumet. Apesar da borda satírica de Rede de Intrigas (1976) que arrancou o desdém prematuro de muitas plateias, mas ganhou um Oscar pela breve atuação de Beatrice Straight, cuja cena de cinco minutos mostra um retrato devastador da frustração conjugal. As cenas iniciais e tensas de Um Dia de Cão logo se tornam cômicas quando o ladrão de banco, vivido por Al Pacino, inultimente luta para desfazer o embrulho de papel e revelar sua arma. O Homem do Prego (1964) lida, ao mesmo tempo, com o trauma pós-Holocausto e com os temas do racismo e do descontentamento urbano. Muitos consideram Lumet a quintessência do diretor novaiorquino, embora sua representação da cidade variasse de projeto para projeto.


Como a carreira de Lumet é anterior à era dos diretores que também se tornaram estrelas, como Martin Scorsese e, mais tarde, Quentin Tarantino, ele nunca teve uma “abordagem de jornaleiro”. Cada filme fala em termos específicos, por isso ele fugiu das perguntas sobre quaisquer afirmações definitivas do seu trabalho. Em 2007, numa entrevista em vídeo com Lumet, recentemente publicada pelo The New York Times, ele emite uma resposta sublime quando perguntado sobre como gostaria de ser lembrado após sua morte. "Eu não dou a mínima", disse ele, uma fala coerente com seu discurso em 2005, quando recebeu um Oscar pelo conjunto da obra: "Eu gostaria de agradecer aos filmes", afirmou. Não era sobre o homem por trás da câmera, mas sim sobre as decisões que ele fez e funcionaram no produto final. No caso de Lumet, muitas vezes funcionaram.

"Bom estilo, para mim, é estilo nunca visto", Lumet escreveu em seu essencial livro Fazendo Filmes (1995), um detalhado guia sobre filmagem e também um livro de suas memórias sobre o showbiz. Audaciosamente “antiautor”, Lumet era uma contradição ambulante, obstinadamente oposto a deixar uma marca em seu trabalho, mas, ainda assim, criando alguns dos momentos mais sensacionais do cinema americano.

Considere a chorosa repartição ao final de 12 Homens e Uma Sentença, o momento enervante “mão-na-espiga” em O Homem de Prego, ou a tomada de grua de revirar o estômago, que desce em direção a Paul Newman assim que o júri anuncia a sua decisão em O Veredicto (1982). Além de truques de câmera, Lumet tinha intensas convicções éticas, o que explica porque Serpico e O Príncipe da Cidade (1981) fazem dramas policiais tão convincentes e atraentes. Isto também explica a doentia fuga de uma família em O Peso de Um Passado (1988), sua última obra-prima. No subvalorizado Bye Bye Braverman (1968), a experiência do pós-guerra judaico-americana, que se manifesta em um trio de fatigados "baby boomers", vem à tona em momentos acentuadamente naturalistas. Esses filmes estão vivos com a complexidade do comportamento humano, um resultado da fluência de Lumet na forma de um filme. Lumet foi, em suma, um estilista contra seus melhores esforços.


Em seus últimos anos, Lumet fez poucos grandes filmes, mas, enquanto se tornava uma figura do passado, ele manteve uma compreensão clara sobre o futuro. Seu papel na arte e no negócio do cinema soou muito mais moderno do que o de muitos diretores jovens. Ele foi um cara que atuou no teatro iídiche durante a Grande Depressão e dirigiu televisão ao vivo na década de 50, ainda assim poderia facilmente ganhar o mérito da gravação de vídeo digital em vez do filme, e passou a última página de seu livro comparando as bilheterias de Batman - O Retorno (1992) e Minha Vida de Cachorro (1985).

Há apenas quatro anos, Lumet conseguiu um extraordinário retorno aos indicados do Oscar, com a aventura criminosa Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007), que chegou aos cinemas no ano em que 12 Homens e Uma Sentença comemorou o seu 50º aniversário. Ambos os filmes tratam o sistema de justiça em tons de cinza provocantes, provando que o diretor não perdeu seu toque. Assim que o Antes que o Diabo começou sua campanha para o Oscar, Lumet assinou um contrato de três filmes que, infelizmente, nunca chegaram a ser concretizados. Mesmo em seus anos de crepúsculo, ele ainda estava firme e forte. Seu legado não mostrou sinais de desistência.

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